«Reflexões num comboio português»
Disseram-lhe que estar aí não era para ele. Disseram-lhe que a sua aventura nessas terras remotas não seria fácil. E o pior de tudo era que aqueles que pronunciaram essas palavras tão pungentes eram as pessoas que diziam amá-lo.
O Juan Cruz olhava a paisagem através da janela do comboio. Há apenas uns minutos estava nas praias de Faro, no Algarve português, e agora estava a voltar para Lisboa, a cidade onde morava. “A cidade onde moro”, disse para si mesmo, incrédulo, enquanto pensava que ia para essa metrópole cosmopolita da qual tanto gostava.
Ainda se lembrava quando deixou a sua pátria, na América do Sul, como se houvesse sido ontem. Lembrava as noites de procura de informação, as manhãs de processos burocráticos que se tornavam intermináveis nos escritórios das instituições do Estado, e de novo as noites, mas as outras: aquelas de insónia pelo medo e pela ansiedade da próxima partida.
As pessoas, os animais e todos os elementos que definiam os lugares que estava a atravessar viam-se desfocados pela velocidade do comboio, que tardaria algumas horas em levá-lo até aquele pequeno apartamento que agora chamava casa. Porém, para ele esse tempo era valioso pois gostava muito de desfrutar dos comboios que apanhava frequentemente para poder refletir.
Costumava pensar sobre os assuntos mais variados, desde questões complexas como a realidade do mundo até as ninharias mais simples da quotidianidade. Mas esse dia estava a refletir sobre a vida e as suas mudanças, e particularmente sobre tudo o que aconteceu nos últimos meses. E, como agora sim podia dizer que era feliz, naturalmente estava a refletir sobre a felicidade.
O comboio avançava e o Juan Cruz lembrava quanto infeliz ele era naquele país onde nasceu, cresceu e morou a maior parte da sua vida. Aí foram criadas todas essas memórias que o tinham feito pessoa, mas lamentavelmente eram tristes. Ao menos a maioria delas, que eram as que mais lembrava quando se sentia feliz. Porque sempre que a felicidade o enchia, mais tarde o mais cedo aparecia na sua mente essa estranha saudade relativa à sua pátria.
O seu país tinha muitos defeitos: corrupção, violência, pobreza e uma incrivelmente enorme falta de educação. No entanto, quando pensava na sua terra o que mais o deprimia eram todos aqueles que tinham sido parte da sua vida e que, seja por tristeza ou por inveja, lhe auguraram uma vida difícil na Europa, esse continente que eles sabiam que ele tanto amava.
O Juan Cruz sabia que a sua partida não seria fácil de aceitar para as pessoas que o amavam, mas as suas reações foram surpreendentes para ele. O seu pai disse que ficava contente por ele, mas que devia estar preparado porque nada ia ser fácil; muitos dos seus companheiros de trabalho não disseram absolutamente nada; e ainda alguns outros ousaram lhe dizer, com um rosto sério e longe de estar preocupados, que a Europa não era o Éden. Coisas todas que ele naturalmente já sabia, mas que não suportava escutar ditas desse jeito, com uma negatividade que não precisava nesse momento da sua vida.
Ao mesmo tempo que o comboio deixava pequenas cidades atrás, o Juan Cruz rememorava todas essas situações nocivas que marcaram os últimos dias no seu país e não podia evitar fazer o contraste com o seu estado atual, cuja característica principal era a tranquilidade. Uma tranquilidade dada por viver aí, em Portugal, onde, apesar de não ser perfeita, a vida era desfrutável porque o dinheiro era suficiente para ter um presente digno e, fundamentalmente, porque nas ruas quase não se via violência nem tampouco esse stress que definia aos seus compatriotas.
Sentado nesse confortável comboio, o Juan Cruz sentia-se contente de morar em Lisboa, em Portugal e na Europa. Sentia-se feliz de sair da monotonia da sua terra, de conhecer gente de todas as partes do mundo e de falar todos os dias o português, essa língua que não era a sua e que há pouco tempo não o maravilhava, mas que agora o fazia ler encantado a literatura de autores como Eça de Queirós, José Saramago ou Fernando Pessoa, entre tantos outros. Pensando em Portugal e na literatura num jeito idealista muito próprio dele, lembrava-se de que uma das suas palavras favoritas da língua portuguesa era, curiosamente, “comboio”.
A outra palavra do português da qual o Juan Cruz gostava era “saudade”. Fascinava-o pelo som, mas também pelo significado tão particular e diferente do que ele conhecia da sua língua nativa, o espanhol. Porque a saudade, de acordo com o que ele entendia, não era só um substantivo, senão um sentimento. Mas não um simples sentimento, senão um sentimento complexo que fala de uma nostalgia que pode ser feliz ou triste dependendo do estado de ânimo. Algo assim como o que estava a sentir nesses instantes, quando na sua mente fazia uma revisão de todas as experiências e decisões que o levaram a estar nesse comboio nesse canto do globo.
O Juan Cruz olhou o seu relógio, que lhe dizia que faltava pouco para chegar a casa. Uma casa na qual se sentia em paz como nunca antes tinha estado, e que era um dos tantos exemplos que lhe lembravam que, apesar de todos esses comentários negativos que tinha recebido, tinha feito o correto: nem mais nem menos que seguir ao seu coração, que lhe dizia que a sua felicidade não estava na calma do conforto, mas sim na tempestade do desconhecido.
Detalles del cuento
Título: «Reflexões num comboio português»
Autor: Martín Bugliavaz
Fecha de publicación: 14 de octubre de 2025


